ONU denuncia mortes de crianças como forma de 'limpar' Rio
Pela avaliação, tendência de execuções e prisões ganhou impulso diante de eventos esportivos
A ONU (Organização das Nações Unidas) denuncia as forças policiais
no Brasil pelo "elevado número de execuções extra-judiciais de
crianças" e alerta que a impunidade é "generalizada" no País.
Nesta quinta-feira (8), o Comitê para o Direito das Crianças publicou seu
informe sobre a situação da juventude no Brasil e apresentou um raio-x
alarmante das condições dos menores no País.
Segundo a avaliação, essa
tendência de execuções e prisões ganhou impulso diante dos megaeventos
esportivos e a tentativa de "limpar" o Rio para a Olimpíada em 2016.
A entidade alerta que o Brasil já
tem uma das maiores taxas de homicídio de jovens no mundo e aponta que os
menores no País passaram a ser alvo da violência da polícia, do crime
organizado e de grupos de extermínio.
O informe é resultado de uma
sabatina de dois dias com o governo brasileiro que, depois de dez anos, teve
sua política para a infância examinada pela ONU. O resultado é um relatório que
descreve uma violência aguda contra jovens. "Os desafios são enormes",
declarou o presidente do Comitê, Benyam Mezmur.
Renate Winter, vice-presidente do
Comitê, alerta para a "limpeza" que tem sido promovida no Rio de
Janeiro para preparar a cidade para os Jogos Olímpicos.
— Existe uma onda de limpeza
ocorrendo, tendo em vista o evento e como forma de mostrar ao mundo uma cidade
sem esses problemas.
Segundo Winter, houve uma
relutância do governo em responder a algumas perguntas durante a sabatina.
Segundo Mezmur, parte das
crianças foram detidas sem passar por decisões legais. Gehad Madi, perito da
ONU, também denuncia a "limpeza".
— Já vimos isso ocorrer de uma
certa forma na Copa do Mundo em 2014 e agora estamos pedindo que seja corrigido
para evitar que se repita.
Na avaliação da perita Sara
Oviedo, não é novidade a chacina de crianças no Brasil.
— Mas temos recebido informações
concretas de que agora se trata de uma maneira de limpar a cara para receber os
eventos internacionais.
A ONU indicou que está
"seriamente preocupada pelo fato de que o Estado é um dos que apresenta
uma das maiores taxas de homicídio de crianças no mundo, com a maioria das
vítimas sendo afro-brasileiros". A ONU, porém, não indica os números e
apenas pede que o governo tome medidas urgentes para lidar com essa situação.
Um alerta especial se refere à
violência da polícia. A entidade pede que haja uma investigação
"efetiva" de todas as mortes de crianças, inclusive daquelas que são
classificadas como "atos de resistência". Para a ONU, a pena aos
responsáveis deveria aumentar, justamente por serem profissionais do setor de
segurança. A entidade ainda recomenda que policiais sob investigação sejam
retirados de suas funções e que haja um sistema independente para avaliar as
operações em favelas.
Segundo a ONU, existe uma
"violência generalizada" por parte da Polícia Militar, da UPP
(Unidade de Polícia Pacificadora) e do Bope (Batalhão de Operações Policiais
Especiais) contra crianças de rua e daquelas que vivem em favelas. O Comitê
ainda denuncia "o elevado número de execuções extrajudiciais de crianças pela
Polícia Militar, por milícias e Polícia Civil", assim como a
"impunidade generalizada" aos responsáveis.
A entidade ainda acusa as forças
de segurança de serem as responsáveis pelo desaparecimento de menores durante
operações, além de prisões arbitrárias, tortura em viaturas policiais e
delegacias, além de rejeição de prestar ajuda médica ou legal.
A situação das crianças de rua
leva a uma especial advertência da ONU.
— O Comitê está profundamente
preocupado com o grande número de crianças nas ruas que são vulneráveis a
mortes extrajudiciais, tortura, desaparecimento, recrutadas por grupos
criminosos, abuso de drogas e exploração sexual.
O informe pede que o governo
brasileiro passe de forma imediata leis para proibir a prisão arbitrária de
crianças de rua. A entidade também sugere que abrigos sejam construídos.
Crime
Segundo o Comitê, a
vulnerabilidade desses menores e mesmo daqueles em casas de famílias mais
pobres está permitindo uma ampliação do número de crianças e adolescentes
envolvidos no crime organizado.
— Estamos profundamente
preocupados. [...] Existe uma violência generalizada por ou contra essas
crianças.
Para evitar esse recrutamento, a
entidade apela ao Brasil para que desenvolva uma estratégia a fim de reintegrar
esses jovens à sociedade. Para impedir esse recrutamento, questões como
pobreza, marginalização e baixa qualidade do ensino precisam ser tratadas.
Na avaliação do Comitê, o governo
precisa ainda criar uma campanha para alertar sobre os riscos de envolvimento
com o crime organizado
A ONU ainda alerta que está
"preocupada" com a aprovação na Câmara dos Deputados de uma lei que
prevê a redução da maioridade penal, de 18 para 16 anos. Outro alerta é sobre a
proposta de ampliar a pena de prisão de três para dez anos. Na avaliação da
entidade, essa não é a resposta à crise de segurança.
Segundo o informe, as penas
alternativas "ainda não estão sendo aplicadas de forma efetiva. Na
avaliação da entidade, "muitas crianças estão sendo colocadas na prisão
por ofensas menores e que não justificam a privação de liberdade".
As condições de detenção dos
jovens também é alvo de críticas, inclusive diante da situação sanitária e
superlotação. O informe ainda traz casos de um aumento de violência sexual
contra menores, detidos nos mesmos lugares que adultos.
Outro lado
Por meio de nota, a Secretaria de
Segurança argumentou que o Rio de Janeiro foi o segundo Estado brasileiro em
redução das taxas de homicídios de crianças e adolescentes (de 0 a 19 anos)
entre os anos de 2000 e 2013, segundo o Mapa da Violência de 2015, estudo
encomendado pelo governo federal.
— Entre adolescentes de 16 e 17
anos, o estudo aponta que o porcentual de redução de homicídios na capital
fluminense é de 73%, o maior do País, na comparação com 2003".
A Secretaria informou ainda que
as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) foram apontadas como "exemplo
de boa prática" pela JIFE (Junta Internacional de Fiscalização de
Entorpecentes) das ONU (Organizações das Nações Unidas). As UPPs, ressaltou o
órgão, são responsáveis pela redução de 85% dos homicídios decorrentes de
intervenção policial, na comparação entre 2014 e 2008 (ano de implantação do
pioneiro programa de pacificação em favelas.
— Dentro do programa das UPPs,
policiais são responsáveis por inúmeros dos projetos sociais. A Secretaria de
Segurança sempre busca parcerias com instituições de direitos humanos e
assistência social para efetivo cumprimento do Estatuto da Criança e do
Adolescente.