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Desnutrição de mães agrava efeito do zika no cérebro de bebês, mostra estudo
Cientistas da UFRJ ajudaram a explicar por que casos de microcefalia se concentraram no Nordeste
Os casos de microcefalia relacionados ao zika se concentraram no Nordeste porque a região possui grande prevalência de desnutrição, aponta um novo estudo. Com base na análise de casos humanos e experimentos com animais, cientistas da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) concluíram que a falta de proteína na dieta deixou muitas gestantes vulneráveis à agressividade do vírus.
O trabalho, liderado pela bióloga Patrícia Garcez, surge como mais uma peça do quebra-cabeça necessário para entender a dinâmica da doença, transmitida pelo mosquito Aedes aegypti. Como só uma parte das gestações atingidas pelo vírus resultaram na chamada síndrome congênita da zika, que afeta o desenvolvimento neural das crianças, cientistas tinham dificuldade de explicar cenário completo.
“Nos lugares onde a maioria dos casos de microcefalia ocorreu, uma coisa que saltava muito aos olhos era a pobreza. São lugares mais vulneráveis socialmente e com baixo índice de desenvolvimento humano”, conta Patrícia. Segundo a cientista, daí surgiu a hipótese que eles buscaram testar. “A maior parte daquelas pessoas não tem acesso adequado à proteína, que é o item mais caro da cesta básica”, diz.
A ciência já sabia que a falta de nutrientes afeta a imunidade do organismo, e os pesquisadores fizeram então uma análise epidemiológica para saber se ela abria espaço para a síndrome congênita da zika.
Contabilizando a prevalência de casos de subnutrição em estados de quatro regiões do Brasil, excluindo a região Sul, os pesquisadores constataram que existe uma tendência geral de influência sobre a síndrome congênita.
Para entender o impacto nos casos específicos da doença, a cientista Márcia Castro, da Universidade Harvard, entrevistou 83 mães de crianças atingidas para estimar sua ingestão média de proteínas. Verificou que 40% delas passaram por dificuldades de nutrição.
“Em geral, não é que elas não estivessem consumindo as mesmas calorias que a média da população. Elas consumiam menos proteína e mais carboidrato: arroz, pão, biscoito, farinha...”, conta Patrícia.
Experimento
Como a análise epidemiológica apontou evidências fortes, mas não forneceu uma resposta definitiva para a questão, pesquisadores fizeram então um experimento para testar a hipótese da influência da dieta na síndrome.
A análise de fêmeas de camundongo infectadas pelo zika e alimentadas com ração de baixa proteína mostrou que, sim, essa forma de subnutrição abriu espaço para a transmissão vertical do vírus (de mãe para filho) e a disseminação do patógeno no sistema nervoso dos filhotes.
Apesar das evidências robustas do efeito demonstrado, porém, Patrícia e outros cientistas são reticentes em afirmar que todo o mistério sobre a dinâmica da doença esteja resolvido. O estudo se junta a evidências de que a susceptibilidade ao zika pode surgir também de fatores como infecção simultânea por dengue ou da exposição a toxinas de cianobactérias presentes em águas poluídas.
“Não se trata de dizer o fator que descobrimos, a dieta, é o mais importante, mas ele é um cofator relevante”, diz Patrícia. Para a antropóloga Debora Diniz, da UnB (Universidade de Brasília) que acompanhou de perto a epidemia de microcefalia no Nordeste em 2016, a hipótese da desnutrição é mais uma a indicar o quanto a pobreza potencializou o problema da Zika.
“Esse é um daqueles estudos da ciência que nos provocam a sensação de dizer "nós já sabíamos", mas é claro que nós precisamos provar”, disse a pesquisadora, que ressalta outras maneiras com que a pobreza pode influenciar a prevalência da síndrome congênita do zika. “Isso já foi demonstrado pelo saneamento urbano, pelo acesso à água limpa, pela possibilidade de viver sem mosquito, pelo acesso a repelentes e pelo acesso a métodos contraceptivos”, conclui.